

O Rio Grande do Sul é a terceira maior bacia leiteira do Brasil, tem capacidade de industrializar 18 milhões de litros dia e atualmente sua produção média é de 12 milhões de litros dia. Dados do IGL/EMATER (2015) apontam que a produção de leite está presente em 94% dos municípios gaúchos e praticamente a totalidade oriunda é da agricultura familiar. A atividade leiteira tem papel fundamental na reprodução socioeconômica da agricultura familiar.
Que os produtores de leite sofrem com as oscilações de preços já sabemos, mas recentemente a atividade leiteira no Rio Grande do Sul vem sofrendo também com os problemas de fraudes e corrupção, identificados no Leite Compensado que acaba prejudicando toda cadeia produtiva, inclusive os agricultores e laticínios que trabalham dentro da legislação e prezam pela qualidade.
Além disso, desde 2015 o setor vem amargando em função da importação de leite em pó, mais precisamente do Uruguai, que tem ocorrido de forma desordenada e acarretando prejuízos a nossa cadeia produtiva do leite. Acontece que o Brasil em suas tratativas com o Uruguai através do Mercosul exporta diversos produtos e como contrapartida libera a importação de leite em pó do país vizinho. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços apontam que durante o ano de 2016 o Brasil importou do Uruguai quase 100 mil toneladas de leite em pó, desse total mais de 50% foi importado pelo Rio Grande do Sul. Até o presente momento, o ano de 2017 já contabiliza 70 mil toneladas de leite em pó, sendo que o Estado importou mais de 40% desse total.
Esse leite em pó importado, em função de subsídios (e talvez até triangulação) chega ao nosso Estado com um preço menor que o nosso leite e consequentemente pressiona a queda do preço do leite pago ao produtor. Agricultores esses, que em muitos casos, investiram na atividade leiteira através de financiamento e agora se veem incapacitados de saldar suas dívidas.
O resultado disso, mais 2.500 propriedades rurais abandoaram a atividade leiteira nos últimos anos no Estado do RS de acordo com dados da FETAG RS. Ainda, se hoje o preço final ao consumidor está baixo, a longo prazo ele tende a aumentar sem previsão de queda em função da redução de oferta de leite que acontecerá com a desistência de tantos produtores.
O mais instigante é que esse caos que a cadeia produtiva de leite vive hoje é decorrente de ações políticas federais e estaduais. Ao invés de proteger seus agricultores os governos têm incentivado a importação de leite em pó através da redução de tributos.
No Vale do Taquari um grupo de trabalho composto por diversas entidades (Codeter, Codevat, Strs, Amvat, Cooperativas, entre outras) vem trabalhando a mais de um ano na tentativa de frear esse cenário desolador que a nossa cadeia produtiva de leite enfrenta. Esse grupo tem conseguido alguns avanços, como por exemplo, solidarizar o governo estadual sobre a atual situação de milhares de agricultores familiares produtores de leite da região. Na última segunda feira, dia 28/08/2017, o governo do Estado suspendeu por 90 dias o Decreto 53.059/2016 que previa redução no pagamento de ICMS na importação de leite em pó.
Como diz o ditado “não adianta chorar pelo leite derramado”, agora talvez seja tarde demais para consertar tantas perdas que a cadeia produtiva do leite sofreu. No entanto, continua sendo papel dos entes governamentais prezar pela nossa agricultura familiar, pelas nossas cooperativas e laticínios que ao contrário da maioria das multinacionais, investem seus lucros e sobras no nosso território contribuindo assim para a econômica regional. Leite é assunto de Estado!
Boa semana!
Cândida Zanetti – Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial (UERGS) e Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Atualmente Assessora Territorial de Inclusão Produtiva do CODETER VT.