

É muito comum os acidentes de trânsito ou ações policiais atraírem a atenção de um grande número de pessoas. Mas essa curiosidade, aparentemente inocente, pode atrapalhar no atendimento das vítimas e até causar acidentes secundários em virtude da aglomeração. Recentemente, no assalto a uma joalheria em Encantado, a comunidade acompanhou de perto o confronto entre bandidos e policiais, sem se dar por conta de que estavam colocando suas vidas em perigo.
Conforme o Delegado substituto da Polícia Civil de Encantado, Augusto Cavalheiro Neto, por curiosidade, as pessoas podem estar expostas a um risco desnecessário, como tiroteio ou bala perdida. “Um tiro de fuzil pode percorrer dois quilômetros e acertar, com condições de matar, alguém que esteja a 600 metros. A orientação é sempre ficar em casa, não sair para a rua e aguardar o desdobramento”.
Em situações, onde existem reféns, o delegado destaca que poderá haver fuga, roubo de carro, perseguição e até acidente de trânsito. “O objetivo dos bandidos é fugir e isso pode colocar a comunidade em risco. É importante sair das ruas e fechar as portas do comércio que está nas redondezas, até que a situação seja normalizada. Não se arriscar em fotos, filmagens, mas difundir a informação através do whatsApp, para proteger as pessoas e evitar que se desloquem para o local”.


Multas
A mesma situação é percebida nas rodovias. Conforme o responsável pela comunicação social da 4ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal, Dimitrius Franco, a curiosidade pode gerar aglomerações e dificultar o trabalho de policiais e do corpo de bombeiros. “A integridade física dessas pessoas torna-se mais uma preocupação por parte dos policiais e impede o total foco na ocorrência. Além disso, pode ser perigoso ficar próximo de uma ocorrência”.
Parar o veículo nas ERS ou BR para tirar fotos ou produzir vídeos pode gerar multa. Franco destaca que estacionar o veículo no acostamento, salvo por motivo de força maior, pode gerar infração leve – quatro pontos – R$ 88,38; estacionar o veículo sobre a faixa de rolamento: gravíssima – sete pontos – R$ 293,47; parar o veículo sobre a faixa de rolamento: grave – cinco pontos – R$ 195,23; transitar pelo acostamento, infração gravíssima: sete pontos na carteira e R$ 880,41 de multa.
“Com certeza as pessoas ignoram os riscos na intenção de fazer uma boa imagem para postar nas redes sociais. Caso a ocorrência já esteja em atendimento por parte dos profissionais (policiais, bombeiros, ambulância), a recomendação é distanciar-se o mais rápido possível do local. Durante o atendimento de um acidente, por exemplo, não raro os PRFs se deparam com motoristas distraindo-se, diminuindo demasiadamente a velocidade, ou até mesmo parando sobre a faixa de rolamento, a fim de visualizar o acidente ou, o que é ainda pior, fazer fotos. Essa é uma atitude extremamente irresponsável, que pode gerar um novo acidente, talvez ainda mais grave”.
Franco também ressalta que se a pessoa for a primeira a passar pelo local de um acidente, deve estacionar em local seguro, sinalizar com os triângulos dos veículos e/ou galhos de árvores, e acionar as equipes de socorro.


Necessidade de registrar
As pessoas sentem cada vez mais a necessidade de compartilhar detalhes pessoais, pensamentos, sentimentos e ideias com o resto do mundo. A internet é o meio utilizado para difundir o que antes estaria restrito a uma localidade específica. Presenciar operações policiais, situações não comuns no dia a dia de uma pessoa, pode elevar a adrenalina e provocar inúmeras sensações.
Conforme os psicólogos, Sinandro Debona e Bianca Kappler esse comportamento humano tem explicação. “Temos a ilusão de segurança e a falsa impressão de que, ao observar algo que acontece, teremos mais controle sobre os fatos do que se não estivéssemos aí. É um mecanismo de defesa inconsciente disfuncional. Essa sensação também acontece quando temos um familiar em estado grave de saúde, e acreditamos que o simples fato da nossa presença poderá assegurar-lhe de não piorar. Além disso, o fato de expor-se a uma situação de risco de morte, elevando a adrenalina, pode ser bastante prazeroso e está nas sensações geradas por muitos brinquedos nos parques de diversão por exemplo. Outro aspecto instigante é a possibilidade de estar testemunhando uma cena rara, excepcional, experiência que não se repetirá, em que o cidadão foi privilegiado por estar na hora certa e no lugar certo”.
Os profissionais ainda acrescentam que, em ambos os casos, como vítima ou como testemunha, prevalece o instinto de autodestruição sobre o de autoconservação, que Freud chama de pulsão de morte ou pulsão de vida. “Em situações extremas que envolvem crimes, desastres e acidentes, as pessoas tendem a se testar, é um exercício de autoconhecimento e geralmente rende muitas histórias e trocas dentro da família”.


O próximo passo é postar nas redes sociais. Com a difusão da tecnologia é normal as pessoas estarem com os celulares a postos para registrar e provar qualquer acontecimento inesperado. Esse hábito está ligado ao instinto de preservação humana. “Diz o ditado popular que “notícia ruim chega logo”. Pois bem, temos uma tendência ancestral a nos preocuparmos com riscos e perigos primeiro. No passado serviu para nos preservar enquanto espécie das mais diversas ameaças. No presente, em que as ameaças são outras, corremos o risco de nos atermos compulsivamente a notícias trágicas, que, com a melhora dos meios midiáticos, estão cada vez mais veiculadas. O foco neste tipo de assunto, a longo prazo, pode vir a ser adoecedor. Lembramos também que o papel da rede social é socializar. Em outras palavras, aparecer. Dentro deste padrão é de se esperar que eventos sociais também apareçam. Porém, é nosso instinto de preservação que dá mais valor às tragédias e como evitá-las ou resolvê-las do que à estratégias de prevenção, que ficam em segundo plano nas redes sociais”, concluem os psicólogos.
Texto: Elisangela Favaretto/Portal Região dos Vales