É assim que Luana Gasparetto Fontanella descreve a chegada em Santa Maria no dia 27 de janeiro de 2013. Ela atuou como Psicóloga Voluntária no atendimento aos familiares, sobreviventes e trabalhadores envolvidos no Incêndio da Boate Kiss. A tragédia matou 242 pessoas e feriu outras 680. Ela será uma das palestrantes do 1º Fórum de Enfermagem dos Vales, que ocorre no dia 17 de agosto, no Clube Comercial em Encantado.
Além da experiência que teve em Santa Maria, ela falará sobre Vida, Morte, Luto e questões envolvidas nesse processo. “Este assunto ainda é um tabu e muitas pessoas evitam falar. Acredito que no meio da enfermagem, as pessoas ainda acham que lidam de uma forma melhor, mas pela minha experiência no ambiente hospitalar, percebo que as pessoas utilizam muitas defesas e têm dificuldades em lidar com estas situações. Espero poder desmistificar esse tema e também mostrar que há muita vida e luta envolvida nesse tema”.
A palestra da psicóloga vai abrir a programação do Fórum. As inscrições podem ser feitas diretamente no site www.forumdeenfermagem.com.br. Conheça um pouco mais do trabalho que a Luana desenvolveu em Santa Maria e interaja com ela durante o evento.
Qual a sua formação?
Luana Gasparetto Fontanella – Sou formada em Psicologia pela Universidade Regional Integrada – URI – Erechim, Especialista em Psicologia da Saúde pela Universidade de Passo Fundo – UPF, Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Conselho Federal de Psicologia. Atuo desde 2008 como Psicóloga Clínica da Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim.
O que te motivou a auxiliar na tragédia da Boate Kiss?
Luana Gasparetto Fontanella – Acredito que foi uma motivação pessoal e profissional, pois no momento em que o pessoal solicitou ajuda de profissionais eu estava de férias, e pela minha vivência e experiência no Hospital pensei que poderia ser útil e poderia ajudar as pessoas que estavam precisando. Minha família teve papel importante e alguns amigos e colegas que auxiliaram e me motivaram a ir.
Em que dia você chegou em Santa Maria e qual foi a primeira impressão?
Luana Gasparetto Fontanella – Cheguei no domingo a noite, dia em que aconteceu o incêndio. Estava eu e mais três colegas de Erechim. Chegando na rodoviária de Santa Maria já nos deparamos com o clima tenso, pois haviam pessoas chorando já na rodoviária. Pegamos um táxi e solicitamos que o taxista nos levasse ao local onde estavam acontecendo os velórios e o reconhecimento dos corpos, o Centro desportivo Municipal (CDM) ou Farrezão como eles chamavam. O taxista que nos levou estava abalado e relembrou que havia levado quatro jovens para a boate e não sabia como eles estavam, se haviam sobrevivido ou se estavam bem. Chegando ao local, havia muita gente, parecia um campo de concentração, havia exército, muitos policiais e pessoas. Ao entrar no local, um militar do exército nos levou até uma mesa onde realizamos um cadastro, recebemos luvas e máscaras, e fomos direcionadas para onde havia um grupo de psicólogos. A minha primeira impressão foi de uma zona de guerra mesmo. No ginásio já aconteciam os velórios coletivos, havia muita gente, imprensa, pessoas auxiliando, entregando comida e café, e prestando assistência a quem passava mal. Passamos um período da madrugada ali auxiliando durante os velórios.
Que atividades você desenvolveu no local, com quem e em que período?
Luana Gasparetto Fontanella – No primeiro dia, na noite e na madrugada, atendi no ginásio, nos velórios coletivos. No segundo dia nos dividimos em equipes, eu fiquei nos velórios e nos cemitérios onde ocorreram os enterros. No terceiro dia atendi em um dos hospitais em que havia sobreviventes internados, familiares, bombeiros e profissionais que trabalharam no resgate as vítimas. Trabalhei com pessoas de diversos municípios, médicos, socorristas, enfermeiros, enfim vários profissionais e pessoas voluntárias. Ali vi um trabalho em equipe funcionar muito bem, pessoas que não se conheciam, em situações de extremo estresse e pressão, conseguiam interagir e se auxiliar. No terceiro dia resolvemos retornar, pois os profissionais do município estavam se organizando e porque também percebemos que tínhamos feito o que podíamos fazer e estava na hora de voltar, reconhecemos nosso cansaço físico e mental. Depois que retornei acompanhei duas famílias que perderam filhas no incêndio e que moravam em nosso município. Realizava visitas juntamente com uma psicóloga do CAPS do município. Até hoje tenho contato com as famílias, um vínculo maior do que só o profissional.
O que mais te chocou?
Luana Gasparetto Fontanella – Os relatos dos bombeiros e socorristas que trabalharam no resgate e no reconhecimento dos corpos eram bem fortes, mas percebíamos que não era só a tragédia que a mídia mostrava, tinha muito mais coisas boas e positivas, muita ajuda, voluntariado, pessoas se doando pela causa. Muitas pessoas ofereciam carona, lugar para dormir, faziam lanches e entregavam para quem estava trabalhando. Não gosto de falar em tragédia, e sim em Solidariedade em Santa Maria.
Que lições tudo isso te proporcionou?
Luana Gasparetto Fontanella – Foi uma lição de vida principalmente, por trabalhar no hospital eu já encaro a vida de uma forma diferente. Temos que aproveitar nossos momentos, ficar com quem gostamos porque não sabemos quando não estaremos mais aqui. É muito fácil morrer, não é necessário estar doente ou estar velho, aqueles jovens estavam se divertindo, não saíram de casa para morrer. Nesse sentido acredito que dar valor a vida, e principalmente a qualidade do que vivemos. Profissionalmente foi e será uma experiência única que me proporcionou muito aprendizado, mas principalmente para conhecer o real trabalho em equipe.
Sobre o Fórum:
O primeiro lote das inscrições está disponível até o dia 11 de junho. O evento é realizado pela Lume Centro de Educação Profissional em parceria com o Hospital Beneficente Santa Terezinha de Encantado. Os alunos da Lumecep devem inscrever-se diretamente na secretaria e os colaboradores do HBST de Encantado, no setor de Desenvolvimento de Pessoas do Hospital. O evento é organizado pela Lume Eventos. Tem o patrocínio confirmado do Plano de Saúde São Camilo e o apoio institucional do Coren – RS e do Sindicato dos Hospitais Beneficentes e Religiosos e Filantrópicos do Vale do Taquari.
Texto: Ascom Fórum