Encontro dá origem a documento para apresentação em manifesto programado para Brasília
Novas regras para produção e padrão de qualidade do leite; cotas de importação de leite em pó; e a inconstância da política relativa ao antidumping e tarifas sobre importação de leite causam apreensão à cadeia produtiva do leite. Nesse contexto, a Cooperativa Languiru e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teutônia com extensão de base em Westfália reuniram produtores rurais, prefeitos, secretários municipais da Agricultura, lideranças do movimento sindical, lideranças políticas e profissionais técnicos da cadeira leiteira para mobilização e elaboração de manifesto considerando as dificuldades do setor.
O encontro, conduzido pelo presidente da Languiru, Dirceu Bayer, e pela presidente do STR Teutônia/Westfália, Liane Brackmann, ocorreu na Associação dos Funcionários da Languiru na manhã do dia 14 de fevereiro e reuniu cerca de 130 pessoas. Documento redigido a partir do debate coletivo será apresentado em reunião agendada para o dia 18 de fevereiro, às 14h, na sede da Fetag, em Porto Alegre, oportunidade em que deverão ser compostas comissões técnica e política que levem essas reivindicações a Brasília.
Ameaça
Para Bayer, a cadeia produtiva do leite enfrenta grande ameaça e é essencial a união de esforços, proporcionando vida mais digna às famílias de produtores rurais. “A mobilização coletiva é a única forma democrática que temos para provocar a mudança. Temos que ser fortes, vamos achar soluções em conjunto. Não somos contra as normativas focadas na qualidade do leite, mas alguns itens da IN 76 e IN 77 impactam consideravelmente em toda cadeia produtiva, inclusive com a séria ameaça de que ainda mais famílias deixem a atividade, ocasionando um enorme problema social. Defendemos que alguns pontos sejam revistos e prazos prorrogados”, alertou.
O presidente também se disse preocupado com o volume de importação de leite em pó. “A entrada desenfreada de leite em pó tem grande impacto no Estado, embora o Governo Federal tenha recuado, após mobilização, com relação à queda de taxas de importação do produto de países da União Europeia e da Nova Zelândia”, disse, mencionando ainda situações de concorrência de mercado que classificou como “oportunistas” por parte de grandes indústrias do setor lácteo. “Quando o cenário é favorável, assediam os produtores das cooperativas; quando a situação é desfavorável, ‘abandonam o barco’”, resumiu.
Esperança
Mesmo diante das dificuldades, Liane falou em esperança, “não no sentido de esperar, mas de nos movimentarmos. Esperançamos que a produção de leite possa ter mais segurança e mais viabilidade, por isso esse debate é importante”.
Para a presidente do Sindicato, é fundamental construir mecanismos que protejam a cadeia leiteira. “A sociedade como um todo precisa saber da importância da cadeia estadual do leite, com inúmeras famílias envolvidas. Já perdemos 20 mil produtores, dos quais cerca de dois mil no Vale do Taquari”, lamentou. “Os produtores jamais irão se opor à qualidade do leite, mas todo processo deve levar em consideração, também, a viabilidade e a sustentabilidade na atividade”, concluiu.
Propostas
O debate coletivo resultou em propostas que serão defendidas e levadas como pauta padrão para reunião da próxima semana. Documento disponibilizado pelo Sindicato aponta a prorrogação do prazo de aplicação das Normativas 76 e 77; mais informações e debates sobre pontos específicos (resfriamento em caso excepcional, procedimentos em relação a resíduos de antibióticos constatados); volta da taxa antidumping com mercado da União Europeia e da Nova Zelândia e negociação de cotas dentro do Mercosul; volta do subsídio para setor energético, especialmente para energia elétrica, retirado via decreto em 2018; volta de programas e recursos amplamente subsidiados para o setor do leite dentro do próximo Plano Safra; retirada de incentivos fiscais para empresas importadoras de leite; funcionalidade do Fundo Leite e do Instituto Gaúcho do Leite no Rio Grande do Sul; revogação do decreto estadual que facilita a entrada do leite no Rio Grande do Sul (tributação); compra de leite de cooperativas para programas sociais do governo federal; mais políticas de incentivo para cooperativas de produção; legislação fiscalizadora para práticas de venda de grandes redes de supermercados; e mais segurança para o produtor, via mecanismos de proteção dentro da cadeia (preço mínimo do leite e custos de produção).
Instruções Normativas
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) definiu novas regras para a produção de leite no Brasil. A IN 76 traz os regulamentos técnicos para identidade e qualidade do leite cru, do leite pasteurizado e do leite pasteurizado tipo A e diz respeito à indústria; a IN 77 estabelece novos critérios e procedimentos para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial, substituindo a IN 62/2011, e diz respeito ao produtor. Publicadas no Diário Oficial da União em novembro de 2018, entram em vigor após 180 dias, ou seja, no próximo mês de junho.
O coordenador do Setor de Leite do Departamento Técnico da Languiru, Fernando Staggemeier; o gerente da Indústria de Laticínios da Languiru, Mauro Aschebrock; e a coordenadora técnica da unidade industrial, Carine Hamester, detalharam artigos das Normativas e esclareceram dúvidas dos produtores rurais.
“Há muito trabalho a ser feito. A Languiru, inclusive, já efetua pagamento de bonificação por qualidade aos produtores de leite associados. Hoje, até cerca de 25% do valor pago ao produtor está diretamente vinculado à qualidade”, frisou Aschebrock.
Staggemeier reforçou que o Mapa tende a intensificar ações de fiscalização nas indústrias e nas propriedades rurais, e que o programa de Boas Práticas na Fazenda (BPF), desenvolvido pela cooperativa há quatro anos, deve ser muito útil aos produtores que já adotaram essas orientações. “Tanto as Instruções Normativas quanto o BPF, além da qualidade, tratam do gerenciamento das propriedades rurais, com foco em gestão da produção e boas práticas. Sabemos das dificuldades das pequenas propriedades, muitas delas sem sucessão, e as normativas trazem exigências complexas. Há necessidade de um maior prazo para adequação”, disse.
Carine resumiu procedimentos de análise laboratorial. “As novas orientações, assim que entrarem em vigor, vão gerar, inevitavelmente, aumento de custo das indústrias e dos produtores, com mais possibilidade de condenações”, alertou.
Por fim, afirmaram que as Instruções Normativas trazem exigências iguais ou superiores à países desenvolvidos e com apoios governamentais; oneram toda cadeia produtiva do leite; trazem dificuldades às propriedades rurais com relação à mão de obra e sucessão, instalações e escala de produção; e contribuem significativamente para que mais famílias deixem a atividade
“Hoje, eu não teria coragem de investir”
O prefeito de Westfália, Otávio Landmeier, também produtor de leite, falando em nome da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (AMVAT), se disse extremamente preocupado com a situação. “Hoje eu não teria coragem de investir na produção de leite. Querem tirar a produção leiteira da pequena propriedade. O que será dos pequenos municípios, onde a principal receita vem da produção primária?”, manifestou-se, reivindicando, também, mais apoio às cooperativas.
TEXTO E FOTOS – Leandro Augusto Hamester